quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Um ano de desafios pela frente


Um ano de desafios pela frente






„Por toda a sua vida avance diariamente, tornando-se mais capacitado a cada dia que passa. Isso não tem fim.“
– Yamamoto Tsunetomo

Referência: http://citacoes.in/autores/yamamoto-tsunetomo/?q=122659
 
Dizem que uma pessoa não deve hesitar nem por um instante em se corrigir quando comete um erro. Ao fazer isso, seus erros desaparecerão rapidamente. Mas se tentar ocultá-lo, o erro se tornará ainda mais indigno e doloroso.“ 
 
Do Hagakure ( 葉隱).
 

Osu! 

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Busque o Watashi-Sensei



Busque o Watashi-Sensei 



A postagem de hoje é uma reflexão sobre o trinômio idade/conhecimento/limitações físicas, com o qual inexoravelmente todo praticante de artes marciais tem que lidar.

A palavra que utilizei, lidar, não foi escolhida a esmo. Não se trata de pelejar com o avanço da idade ou as eventuais limitações físicas devidas a condições de saúde ou mesmo efeitos do sedentarismo persistente por muitos anos, mas sim de trabalhar com essa circunstância, e torná-la inspiração para melhorar-se e aperfeiçoar-se de maneira a superar o obstáculo de maneira realista.

Começar no Karatê-Dô após os 35 anos, ainda que egresso de outras artes marciais, não é algo tão simples, embora traga inúmeros benefícios à saúde de um modo geral. Por esse prisma, é fácil perceber que o grande número de alongamentos, correções posturais e trabalho cardiovascular desenvolvido na prática cotidiana do Karatê irá proporcionar um bom condicionamento ao praticante de qualquer idade; dará, em linhas gerais, agilidade ao jovem e equilíbrio ao idoso.

Porém, o espírito não envelhece no mesmo ritmo do corpo, e muitas vezes - me permitam o bom humor e a brincadeira - aquele jovem guerreiro que vive lá dentro da alma, aquele samurai impetuoso que sente o sabor de desafio e de batalha nos treinos, se põe sequioso de ter um desempenho físico no kumite e no kihon semelhante ao dos alunos mais novos, que estão no auge do vigor físico e treinam com a leveza de um gato.

 Salvo raras exceções, após algumas décadas acumuladas, nem todas elas passadas no Dojô ou praticando esportes, boa parte de nós sente o peso desses anos vividos e o corpo já não responde às demandas com a mesma rapidez ou vigor, nem entra em forma com a mesma facilidade, salvo privilegiadas exceções... E isso é natural. Em compensação, tem-se mais experiência e apreende-se mais a essência do combate interior contra as adversidades da vida.

A dificuldade que se deve sentir e avaliar ao treinar com um colega não deve ser a de o vencer, mas sim a de vencer suas próprias dificuldades, de modo a aprimorar-se o que funciona para si e fazer-se disso a sua trilha. O karateka não está realmente aprendendo se não estiver disposto a aceitar-se com suas limitações, de maneira a partir de uma perspectiva concreta de si próprio.

O conceito japonês de Sensei vai além de um simples título honorífico para designar um professor ou um mestre. Os Kanji lidos ao pé da expressão significam "nascido antes", isto é, "mais velho". Essa denominação, usada no Dojô, carrega uma grande lição para todo karateka: cada um de nós está mais velho e experiente hoje do que já foi até ontem; seu pensamento e ações são aqueles de alguém nascido há mais tempo do que os do jovem que era.

Cada um de nós com o passar do tempo vai se tornando seu próprio Sensei, e deve procurar em si próprio a lucidez, o equilíbrio e o discernimento para se reger de acordo com as adversidades do caminho, sem se deixar abater desnecessariamente por elas nem tampouco insistir de maneira cega contra elas, como um ferreiro que tenta fazer uma Katana com aço frio. Assim como no Dojô, há bons e maus tipos de Sensei, assim como a forma como se lida com as dificuldades ao longo da vida nos faz bons ou maus mestres de nós mesmos.

Lide com o agora. Você não é mais tão jovem quanto o rapaz que foi, mas é mais sábio do que ele era.

Osu!

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

白帯

A cada exame recebe-se novamente a faixa branca



Curiosamente, receber a faixa laranja após prestar exame não me trouxe a alegria esperada, inclusive para surpresa dos meus entes queridos que acompanham minha trajetória no Karatê-Dô.

Apesar de vir treinando bastante nas semanas antecedentes, após ter passado um mês fora do dojô por motivos de trabalho e outras ocupações a que me dedico, meu exame não foi como eu mesmo esperava. Apesar de já não ser um jovem rapaz, confesso que ainda adentrei a área de exame me cobrando perfeição na execução de kihon e kata, como se não fosse um praticante de artes marciais desde criança.

Me surpreendeu que, mesmo sendo um cara já bem entrado nos 30 anos, profissional habituado a compromissos difíceis e que normalmente envolvem embates pessoais, jogos de ego, e ainda mais habituado a atividades que envolvem falar e apresentar arte em público, eu estava nervoso ali, justo no lugar onde me sentia mais livre de pressões e me sentia mais engrandecido a cada novo passo aprendido, tendo faixas-pretas queridos e experientes, verdadeiros amigos, como examinadores.

Foi um exame mais difícil do que o que prestei para receber a faixa marrom no Judô. Quando terminei o kihon estava tenso, e para minha própria surpresa, ofegante e sem fôlego. Observei que estava prendendo a respiração ao me movimentar vigorosamente, com a musculatura retesada; isso, ao invés de estar, como nos treinos, deixando fluir cada movimento, e permitindo que a mente relaxasse e entrasse em estado de contemplação.

Meus treinos de karatê, para mim, são um misto de meditação zazen, sessão de psicoterapia, yoga e treino funcional.  "Quem precisa de pilates ou terapia?" Costumo pensar ao chegar e ao sair do dojô...  

É a arte que mais me deixou consciente de como eu posso atingir um nível de relaxamento e paz interior desconhecidos por mim até pouco tempo atrás.

Após a graduação, que eu consegui pelo desempenho geral, o sensei veio conversar comigo. "Onde estava sua mente?" Perguntou ele. "Vejo-o realizar essas técnicas sem dificuldade todas as noites aqui na academia, e tenho visto seu esforço e dedicação, mas hoje o vi muito travado."

Eu respondi que realmente, as semanas anteriores não tinham sido leves para mim, eu estava com muitas atribuições no escritório e nas minhas atividades cotidianas, e minha mente não estava suficientemente tranquila, mas que sabia que o treino e o caminho eram mais importantes do que o objetivo, do que simplesmente focar os esforços na graduação em si.

"A vida é agora, meu filho. Você deveria, ao dedicar-se ao karatê, procurar se livrar de tudo o 
mais que o preocupa naquele momento, e levar isso para tudo o que fizer", disse ele.

O ontem já passou e o amanhã não sabemos se veremos. 

A graduação veio, mas mais ainda do que quando recebi as faixas anteriores até aqui, me veio a consciência de que a simbologia das faixas coloridas de graduação traz à memória a faixa branca que vai sendo manchada e tisnada pelo pó do dojô, pelo manuseio constante e, sobretudo, pelo suor do aprendiz, até ganhar matizes cada vez mais escuros e se tornar negra; porém sempre conservando, no interior de suas fibras, o branco original, que se revela novamente nos desgastes da faixa preta.

Humildade é a principal virtude do artista marcial, mas não da forma como normalmente é compreendida, ou é apenas mais um clichê. Humildade deve ser tida, antes de mais nada, para consigo próprio.

A busca da serenidade e da felicidade interior deve ser mais importante do que os objetivos em si, até porque feliz e sereno consegue-se melhores resultados, seja no dojô, seja no trabalho ou na vida pessoal.

Lição aprimorada.

Osu





sábado, 27 de agosto de 2016

USE O TEMPO A SEU FAVOR

 

Numa perspectiva menos ampla do que a do post anterior, muitas vezes os imprevistos da vida cotidiana, ou mesmo nossos próprios estados de espírito nos levam a deixar de lado as coisas que nos são realmente importantes, entre elas os treinos e o aprendizado no dojô. Seja o trabalho ou estudo, sejam outras atividades de lazer, em tantas ocasiões deixamos a arte de lado por um período, faltamos a um treino ou exame de graduação, e ao retornar sentimos o impacto desse tempo, tanto em nosso físico, quanto na destreza ao realizar os movimentos e técnicas da arte marcial.

A cada vez, pensamos que será a última vez que algo nos distrairá do caminho, mas logo em seguida, outro obstáculo surge. Isto faz parte da caminhada, tanto do Karatê-dô como também de qualquer outra dedicação a que nos devotamos.

Medite e reflita a cada tronco caído ou pedra com que se depare, a bloquear sua caminhada. Vale a pena contornar esse obstáculo e perder tempo, talvez ter que prosseguir por fora da estrada, ou será mais válido encarar a situação como um desafio, pular ou escalar, para não desviar-se do objetivo? O esforço adicional pode torná-lo mais forte, se a meta é saudável e engrandecedora.

Use o tempo a seu favor.

Osu!

 

terça-feira, 26 de abril de 2016

武士道
 Não se perca pelo caminho.

 

Um jovem certa vez atravessou o Japão até Okinawa em busca da escola de um conhecido praticante de artes marciais. Chegando ao dojô, foi recebido em audiência pelo idoso Sensei.
 
"O que deseja?" Perguntou o mestre.

"Quero estudar com o senhor e tornar-me o melhor karateka de minha época. Viajei até aqui e larguei tudo para realizar este desejo", respondeu o rapaz.

O velho então aceitou-o como pupilo e disse-lhe que retornasse ao dojô no dia seguinte ao nascer do sol para começar a treinar.

"Quanto tempo precisarei estudar?" Indagou o jovem.
 
"Dez anos, pelo menos", disse o mestre.
 
"Dez anos é muito tempo. E se eu praticasse com
o dobro de intensidade dos outros alunos?" indagou, insolente, o jovem.
 
"Vinte anos" disse o mestre.

"Vinte anos?! E se eu praticar noite e dia, dedicando todo o meu esforço?" Voltou a perguntar o rapaz, ainda mais atônito.
 
"Trinta anos, pelo menos" foi a resposta do mestre.

O rapaz não se conteve e exasperou-se: "Como é possível que, estudando com um grande professor, esforçando-me ao máximo, dedicando todo o meu tempo ao treino e à arte, eu leve mais tempo do que simplesmente treinando como todos os outros?"

O velho sensei riu suavemente e respondeu: "Meu jovem, quando se tem os olhos fixos onde se quer chegar, não se tem boa visão do caminho".


 O aprendizado das artes marciais é um processo longo e baseado no autoconhecimento, fator que só vem ao praticante através da dedicação contínua, ainda que permeada por dificuldades ou mesmo períodos de impossibilidade de treinar.

O tempo pode ser um muro intransponível como o de uma fortaleza sólida, ou pode ser um grande professor; se será um ou outro só depende da resiliência e da disposição do adepto para perceber cada curva e cada pedra que lhe são apresentadas pela jornada. 

Aquele que não desistir, será sempre recebido de volta com rigor mas com boas vindas pelo Karatê. Já aquele que não mais persiste, na realidade nunca foi um karateka. Seu lugar nunca foi ali.

E essa experiência é intrínseca: ao treinar cordialmente kumite com um companheiro de dojô, ao competir vigorosamente com um adversário em competição, ou mesmo ao defender-se de um agressor em uma situação de perigo, o praticante de arte marcial não está somente buscado vencer o oponente, mas sim a si próprio em relação ao que fora antes, até ali.

A verdadeira luta do artista marcial é consigo próprio; é uma batalha diária contra a própria inércia e contra a própria ignorância. Ao conhecer-se melhor através da insistência em aprender o caminho marcial, a consciência do próprio corpo e a superação das limitações físicas e emocionais o transforma de um mero curioso em um artista, alguém que domina aspectos da arte, em maior ou menor grau. 


Osu!
Graduação. Novo degrau conquistado, ou mais responsabilidade a cumprir? 




Todo estudante de karatê que persiste e aprende durante os tenros meses em que a faixa branca começa a apresentar manchas cinzentas e amareladas, pela ação do tempo e dos treinos, do suor do aprendiz e do pó do dojô, se vê diante dos exames de graduação.
Aqueles mais ingênuos muitas vezes se vêem ansiosos por ostentar uma faixa de cor, de modo que possam ser reconhecidos imediatamente como alguém mais experiente ou "bom" na arte.

Ledo engano. A graduação no karatê, assim como nas demais artes marciais de origens orientais, usadas em grande parte graças ao mestre Jigoro Kano, fundador do Judô, são uma forma de disciplina; muito além de simbolizarem a evolução do aluno para os demais que o vêem, é um recado do sensei e do dojô ao próprio karateka:

Agora tens mais responsabilidades.

O professor Kano adotou o sistema de faixas (obi, 帯), de modo a ranquear seus discípulos e, assim como nas escolas, estabelecer os níveis de aprendizado a serem observados por eles próprios.

Receber graduação, para mim, não poderia ser diferente. Receber a nova faixa diretamente das mãos do Sensei, perante a banca da Federação, somente aumenta a cobrança que dali por diante eu passo a ter em relação a mim mesmo. A nova faixa, muito mais do que um atestado de que eu estou mais sábio ou preparado, é um alerta para que eu faça justiça à expectativa que é depositada em mim como aluno mais experiente.

Osu!

quinta-feira, 26 de novembro de 2015



Meikyō: uma volta à adolescência


Sou saudosista em vários aspectos. Já comentei por aqui que desde criança nutria a vontade de aprender karatê, mas por várias razões não o fiz. Na época, quando ainda bem pequeno e estudava o Judô, os kimonos que se usavam mais (ou, ao menos, os que eu observava mais) eram os Nakano e Tigre. Meu primeiro kimono foi um Nakano, como já falei em outro post.
Posteriormente, já com meus 11 ou 12 anos e graduado, passei a usar os da Meikyō. 

Muitos irão se lembrar bem deles, e possivelmente ainda terão um bem usado... O que ocorre é que naquela época, meu pai me levava a uma das maiores lojas de artigos esportivos da cidade quando eu precisava de um kimono novo, e ao escolher meu judogi, sempre observava, com um misto de curiosidade e admiração, os karategis da Meikyō, tão diferentes dos judogis, sobretudo aqueles Heavy Canvas, de lona K12, que tinham as etiquetas com os símbolos da Nihon Karate Kyokai (assim como a japonesa Tokaido, a Meikyō tinha vários modelos com etiquetas diferentes, uma com um punho fechado, outras com o sol nascente vazado, e os modelos mais caros com os ideogramas da Kyokai e o sol nascente em cores vivas).

Os kimonos Meikyō, fábrica fundada em São Paulo em 1975, devo dizer, eram produtos de excelente qualidade e tinham um caimento como eu confesso que ainda não vi igual no Brasil (desculpem-me os outros fabricantes, mas fica a dica: até aqui não vi mesmo), embora haja várias marcas bem aceitáveis. Procurei bastante, mas ainda não encontrei um keikogi que tivesse a mesma elegância marcial, o mesmo corte tradicional japonês, o mesmo cuidado na fabricação, a mesma rigidez de costuras. 

Pois bem, neste meu retorno ao Dojô, anos depois, indo à mesma loja onde sempre comprava meus kimonos, tive a desagradável surpresa de saber que a fábrica havia lamentavelmente encerrado as atividades em 2011, e que não havia mais kimonos Meikyō à venda nas lojas.

Fazer o quê? Comprei um Atama reforçado, que apesar de não ser de lona também era bom, e comecei a treinar. Mas aquilo não me saiu da cabeça, porque o Meikyō era o kimono que eu realmente desejava, e insisti em procurar pela internet Brasil afora se não havia alguma loja com estoque defasado que ainda tivesse um exemplar "perdido"... Sem sucesso.

Porém, de tanto insistir, e encontrar muitas ofertas de kimonos mal conservados, rasgados ou de tamanhos inservíveis para mim, achei uma pessoa vendendo um usado em bom estado, e não somente era exatamente o tamanho ideal para mim, como o kimono estava em ótimas condições, creio que mal havia sido usado. Estava um pouco amarelado pelo tempo, afinal é um karategi que ficou guardado por uns 15 anos, pelo que entendi, mas não tem sequer desgastes ou manchas. Nada que algumas lavagens não resolvam. E ainda maior a coincidência: o modelo é exatamente o que eu "namorava" décadas atrás na tal loja. Valeu a pena esperar, hoje tenho o "kimono dos sonhos", e vou reservá-lo para exames de faixa e outras ocasiões diferenciadas, afinal provavelmente não encontrarei outro nunca mais:



Osu!